Sexta-feira, o mais aguardados dos dias, me chegou pesado. Fora uma semana exaustiva e ao despertar, pouco antes das seis, me vi mais uma vez tentando protelar o triste momento do levantar-me de encontro ao dia. Mais cinco minutinhos, dizia eu, tal qual quase todas as pessoas ao ouvirem o soar do terrível alarme que nos desperta incansavelmente ao longo das semanas, meses e anos. São os melhores e piores cinco minutos da vida de quem acorda cedo.
Mas o acordar afoito me é muito bem vindo, visto que não me resta tempo nem sanidade para a recorrente tristeza matinal.
Saí esbaforida, porta a fora, livro debaixo do braço, e a agradável companhia de Manuelito, Santiago e sua longa aventura no mar. Nem bem tivera tempo de tomar o habitual café com cigarro como nas manhãs mais amenas.
A narrativa me distanciava dos problemas mundanos, do trânsito caótico na Avenida Roberto Silveira, da inevitável troca de ônibus no terminal rodoviário e, é claro, da trágica noite anterior.
Na volta da aula, minha mente trabalhava afoita. Lamentava o término do livro que lia e me vinha ocupando a mente faziam dois dias. A delicadeza deste me dera uma visão muito suave dos pormenores da vida, aquele sentimento que se tem ao terminar a leitura de um romance como este ou ao assistir um bom filme. A singela sensação de que pode-se mudar a vida, a contemplação da moral da história, ou de como os personagem agiram magestosamente durante determinada situação que te preenche de esperança e otimismo, sentimentos muito valiosos.
E não haveria melhores sensações para estar envolta e finalmente repensar o que deveria e tanto protelava. Sentei-me à janela do ônibus, com as duas mãos a abri e senti a brisa fresca que tem estranhamente amornado à medida que adentramos o inverno. Estava um agradável término de manhã de junho.
Pus os fones nos ouvidos, mas não havia nada que eu realmente gostaria de escutar. É, esses pensamentos não possuíam trilha sonora. Eram para mim como cálculos matemáticos que necessitam tanta atenção que qualquer pequeno ruído facilmente me distrai. Por me serem difíceis, os julgo chatos e minha mente afoita trata logo de se distrair com outro assunto qualquer .Facilmente perco a concentração. Mas precisava pensar. Apaixonara-me e envolvera-me tanto que não sabia mais onde estava, como chegara ali ou como resolveria tal situação.
Mergulhei-me e submergi em pensamentos. Tentava em vão separá-los em uma espécie de ordem e lembrei me então o quanto gosto de listas e quem sabe não poderia listar os pensamentos e transformá-los no menor números de grupos possíveis. Dois talvez, como sim e não, ou por que sim e por que não. Pensei em prós e contras, não me importando com o quanto ridículo poderia soar, afinal não passava apenas de uma maneira de simplificar o que pensava.
Agora sim os pensamentos me pareciam ter um rumo e então comecei a listar o que era pró e o que era contra tendo como base minha felicidade, minha sanidade e minha situação.
Obviamente o amor é sempre pró. Amar, ser amado e tudo que decorre disso. Tanto as sensações abstratas como o ser bem quisto e o bem querer, quanto as físicas como as descargas de adrenalina frequentes, decorrentes da paixão, ou a serotonina destilada pouco a pouco no cérebro que é detectada por inúmeras células, irrigando o corpo com felicidade. Sim, o amor inauguraria a lista dos prós.
E devido ao meu pessimismo, imediatamente após um pró, me viria à mente um contra. Relacionar-se requer muito trabalho e esforço. Retidão a qual eu não tenho. Uma estabilidade emocional que me falta para poder manter um relacionamento, adicionada à enorme preguiça que tenho de nutrir uma relação nos seu dia a dia, nos seus entre-meios. Sim, relacionar-se dá muito trabalho.
Logo após um contra, me viera outro que me provocava náuseas. Ele tem apenas vinte anos. Não devo e tão pouco posso me desatar à isso. É como eu, há nove anos atrás, porém filho único, mimado por família e amigos, menos vivido, menos experiente, sem filho ou obrigações. Relacionou-se com a mesma moça, desde seus dezessete anos e, afora ela, não possuíra mais ninguém. O que o mimou ainda mais e o fez ser menos vivido do que algumas pessoas de sua idade. Não, definitivamente não era como eu há nove anos. Meus vinte anos foram há tanto tempo atrás! Isso me é um grande e pesado contra.
Forcei-me em pensar um ou dois prós, para contrabalançar.
Definitivamente, ele não é como outras pessoas. Ele é aquele tipo de pessoa que logo nota-se ser especial. Aqueles raros, que ao primeiro olhar se reconhece ter algo diferente, ainda que não se saiba ao certo o que é. Algo cintilante, misto de ternura e leveza. Que brilha e salta aos olhos, ofusca-te e te atordoa. Pessoas que são extasiantemente lindas por dentro e é uma beleza tão rara que te enobrece só de estar ao seu lado. Ele não é como ninguém. É fantásticamente lindo do dedão do pé à ultima ponta longínqua do mais comprido fio de cabelo. Ele resplandece! Certamente ele é um pró, e que vale por dois.
E ele me quer, acredito que me queira. Vejo que quer dividir sua fosforescência comigo. Ou apenas me acolher em sua luz, o que já seria fascinante. Sua companhia me ilumina, o que me alegra muito e me é muito distinta essa felicidade, mesmo nos momentos em que os contra me afligem, posso distingui-la e percebe-la dentre as inseguranças.
Pronto, dois prós consecutivos. Creio estar indo muito bem.
Volto um instante aos pensamentos mais práticos, visto que precisaria saltar na próxima parada. Como o tempo voara desde que entrei no ônibus! Puxo o sinal e peço várias licenças ao longo do estreito corredor até a porta da frente. Nas ruas cheias, caminhei em direção ao terminal, com o sorrir e a certeza de ter um saldo positivo. O próximo ônibus poderia tardar se quisesse, minha pequena felicidade me distrairia se assim acontecesse.
Mas não demorou muito. Entrei e sentei-me em movimentos tão automáticos que nem percebi onde sentara. Pouco importava.
Mais um contra me vem à mente. A estrutura de minha vida atual, não permite um solavanco sequer. Tenho de me concentrar no trabalho e na execução do que me propus estudar. Amor as vezes nos exaure por demais e, como disse antes, requer muito trabalho, o que me dispersaria do foco atual. Preciso trabalhar, estudar, ser mãe, aprender a acordar cedo e consequentemente dormir cedo. Necessito aprender a organizar minha rotina. E como este me é um treino difícil, requer muita concentração. Um relacionamento certamente me requereria dispor de muito esforço, e como tendo à um dramalhão, mais difíceis e trabalhosas se tornariam minhas metas.
Seguia meu trajeto e já estava em casa quando me dei conta. Pensava agora no fato de já estar apaixonada e não conseguiria assim, tão facilmente, me desapaixonar. Já sentia a sua falta e ansiava sua presença. Sua companhia já me era querida e os dias que seguiam já eram repletos de pensamentos sobre e para ele. Sim, ele já havia me cativado de tal forma que tudo jamais voltaria ao normal. Já havia chegado o momento que pode-se chamar de crucial, o momento em que se percebe que a partir dele será diferente, e antes dele já não é mais o mesmo. E eu já cruzara este ponto. Para sempre ele seria um marco memorável em minha vida. Já não eram mais momentos que se seguem, e sim como se agora existisse um antes e um depois. E depois dele, creio que nunca mais será como antes. Só não soube distinguir ao certo se isso era um pró ou um contra.
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