De um lado, erguia-se ela. Ria com certo pesar e tinha em seu sorriso a certeza de que havia algo de errado. Na beira oposta do precipício, lá estava ele. Impávido, aparentemente forte como rochedo, imponente ao olhar como não era nas profundezas do seu eu. Não se cedia ao direito de rir, apenas contemplava a outra margem e na sua ingênua euforia, pensava somente em ter de atravessar a qualquer custo.
E entre eles, o profundo abismo. Emoldurando a fenda, o rochoso e árido saibro. Erguia-se em um vermelho vibrante como a argila e à medida que adentrava a terra, o vermelho tornava se mais e mais escuro, passando pelo terracota, depois por todas incalculáveis nuances de vinho até que este cedia seu carmim aos tons de roxo, antes de findar ao negro que tingia o buraco daí para baixo.
E nunca fora tão grandiosamente intransponível. Parecia que à medida que o tempo passava, este se aprofundava e alargava, e agora já era amedrontador. Uma fenda de proporções gigantescas, que imagino nem o mais bravos dos homens assumiria a tarefa de chegar à outra margem.
E não seria ela a tentar. Certamente não. Ela dizia em tom áspero, "Não querido. Não tente ultrapassar". Em sua voz se podia sentir o desconforto e a tristeza em ter que dizer tais palavras.
E em sua afobação, ele não arquitetava plano algum. Nenhuma mirabolante idéia lhe passava pela cabeça. Não pensava em atirar-se ao fundo precipício ou em lançar à outra margem um arpão, atado à uma corda e então atrelado à esta, dependurar-se e arrastar-se devagar até onde ela estava. Não. Só tinha em mente o problema e não vislumbrava solução alguma. Sentou-se desesperançoso em cima de seu problema, e com uma das mão apoiava a testa franzida enquanto que com a outra, trêmula, nervosamente dava pequenas batidas na coxa. Já não sabia mais como agir. Por vezes fazia menção ao choro que em nada ajudaria, e então concentrava-se como se fizesse força para conter as lágrimas e soltava um longo e profundo suspiro.
À margem oposta, debruçava-se ela com cautela. Temia cair mais do que a qualquer coisa e por isso não se arriscava. Por vezes se esgueirava bem próximo à beira, mas ao sentir o imenso temor da queda, recuava dois ou três passos até uma distância que julgava segura. Se salva-guardava por crer que sua vida era demasiado complicada e que não lhe permitia despencar. Sabia não ter tempo para a demorada convalescença que se seguiria e isso muito a atrapalharia.
Pessimista, ela rogava para que ele desistisse de uma vez. E mesmo com a pouca experiência que possuía, sabia que somente as preces não eram suficientes, e nem eram ato digno. De nada adiantaria orar. Vida à fora, tinha aprendido a falar o que lhe perturbava e há muito já tinha decidido não se calar ante o que não a fazia bem. Não unicamente em virtude do seu próprio bem estar, como também para ser justa e clara com as outras pessoas, quais mereciam tanto respeito quanto ela própria.
E por conta disso havia decidido gritar bem alto para que da outra margem, há muitos milhares de metros de onde ela se encontrava, ele pudesse lhe escutar claramente. "Não, querido, não tente cruzar o abismo pois assim só vai se machucar!"- Dizia, ou melhor, berrava ela na pontinha da beirada do precipício. Arriscou o máximo que pode, pé ante pé vagarosamente, até que ouviu o ruir das pedrinhas desabando debaixo de seus pés o que a fez recuar com muito cuidado a fim de que o barranco não terminasse por ceder de vez.
E ele a ouviu. Alta e claramente. Não pode nem alegar não ter ouvido, pois sua feição indignada revelava que não só ouvira como concordava com ela. Era realmente muito perigoso. Ultrapassar seria dificílimo e há muito que temia ter de ser testado em qualquer situação que fosse. Tinha medo da prova tanto quanto da falha.
E ao ouvi-la, seu semblante não transformou-se tanto, bem como suas atitudes que permaneceram as mesmas. Jazia sentado, imóvel, ora a fitá-la, ora a buscar na imensa fenda o fim que não era possível avistar. Pensava consigo mesmo "Será que este buraco não tem fim? Será que existem buracos sem fim, que atravessam planeta a dentro e só terminam no outro lado do mundo?" E quanto mais se questionava, mais o pensar tolhia-lhe as forças, que por agora resumiam-se a quase nada, enfim a desesperança havia lhe preenchido o coração por completo.
Continuava sentado, e agora seus olhos vagavam mas nada viam. Nada chamava sua atenção, nem o notável alargar e aprofundar da fenda que provocava o afastar das margens, nem ela a espreitá-lo do lado aposto ansiando por um sinal qualquer de que estava tudo bem. Sabia esperar em vão.
Com as mãos juntas, ela apertava forte os dedos uns entre os outros. Erguia-se na ponta dos pés, sempre respeitando a distância de alguns passos do princípio do abismo, a fim de poder vê-lo mais claramente agora que a distância aumentara. Ou apenas para chamar-lhe a atenção.
Ainda gritou uma vez mais, desta vez com impaciência visto que das outras vezes não obtivera resposta à sua não-pergunta. "Está tudo bem, meu lindo?" Suas palavras se perdiam na imensidão e por saber que não haveria resposta, não tornou a repetir.
E ele, enfim retirou as mãos que há um tempo mantinha no rosto, juntou toda a força que lhe restava e decididamente pôs-se de pé. Vagarosamente virou as costas para ela e o enorme vão que os separava e foi caminhando, seguindo na direção segura, a oposta. Foi embora, apertando o passo à medida que se afastava sem sequer olhar pra trás, sem qualquer pesar no coração.
Please, do not disturb my creativity.
ResponderExcluirThanks, The management.