Sim, um carro é importante, mas não tão importante como o amor.
O amor te leva à partes nunca antes visitadas, ou quando revisitadas, são como partículas da infância, lembranças amareladas e saborosas que têm um cheiro particular e te remetem sempre à sensação de conforto.
Quase todos os dias sonho, mas não sonho com você. Eu sonho sem você. E em muito se parece com o que sinto acordada, o que me faz pensar em que graça tem sonhar, quando em sonho podemos ter e ser e fazer o que quisermos, se sonho com a mesma tristeza que me consome dia após dia. Nos sonhos não vejo o seu rosto, nem sequer vejo rosto algum. É um sonho de sensações, de estados de espírito, e a unica imagem neles é a sua nuca. Vejo a sua nuca, mas nunca o seu rosto. E vejo a minha dor. É tão densa que posso até vê-la. É tão real e tão parecido com o que sinto ao despertar, que demoro a distinguir o que ainda é sonho e onde começa a dita realidade.
Certamente uma ironia para que eu sofra as vinte quatro horas que o dia possui, ao invés das habituais dezesseis.
Sim, amor é importante, mas não tão importante como a presença.
Não tenho estado sozinha. Tenho sempre boa companhia. Gosto de compartilhar sorrisos e idéias. Dividir minha visão particular do mundo e ao mesmo tempo, ver o mundo com outros olhos que não os meus. A visão por outros olhos é demasiado atraente e sempre muito válida. Me faz pensar e refletir, comparar minhas idéias e confrontar meus pensamentos, o que em muito me faz crescer.
Sim, a presença é importante, mas não tanto quanto a ausência.
Ah, a ausência. Tem sido minha companheira inseparável nesse dias que se seguem. Não poderia dar-lhe o desmerecimento, visto o tanto que a sinto e o quão impactante é.
O sonho recorrente de uma ausência infundada me persegue e me limita ao estado melancólico inerente à minha vontade. Como uma latência, a ausência está sempre ali. Por mais que às vezes me esqueça ou me distraia, volta e meia recomeça a latejar, às vezes fortemente, outras nem tanto, porém ao lembrar sua existência, a angústia me consome até que me distraia outra vez.
Sim, a ausência tem sido importante, mas não tanto quanto os sonhos.
Não estes sonhos, sátiras perversas do inconsciente, mas as ambições e anseios tidos popularmente como sonhos. Não deixo de sonhar, ansiar, vislumbrar um futuro próximo, sem deixar de ter em mente que este está sendo construído agora, no presente momento.
quinta-feira, 29 de julho de 2010
segunda-feira, 5 de julho de 2010
A fábula do pequeno pássaro presunçoso
A noite já caía, o sol há pouco havia se recolhido e os tons de laranja-purpúreos coloriam as nuvens que rajavam o céu. Este espetáculo de cores tem menor duração no frio inverno que adentrava e em pouco tempo a noite chegaria, escura e envolvente como manto negro.
O final da tarde anunciava o que todos os pássaros tinham em seus instintos mais primitivos. Que deveriam recolher-se ao ninho ou à árvore a qual estava designada para que dormissem.
Todos cantavam em revoada, e em alvoroço se empoleiravam em goiabeiras, amoreiras, mangueiras e outras diversas árvores mais. Cada um em sua árvore preferida, com seu bando ou família, abrigavam-se e se preparavam para a gélida noite que estava por vir.
Da minha janela, sempre acompanhava o ir e vir dos pássaros e seus repetitivos hábitos. O canto deles me anunciava a chegada da manhã nas noites que passava em claro, por outras vezes me diziam o findar da tarde e o inicio da noite, seus alegres namoricos eram como calendário ao me afirmar o tão esperado início da estação dos amores, a primavera.
A árdua luta travada nos galhos da amoreira era indício claro de quem mandava por ali no nascer de seus primeiros frutos primaveris. Se caso as quisesse, eu teria de lutar pelas amoras que plantei como eles brigavam entre si. E ao contrário do que possa se pensar, não havia vantagem alguma em ser da minha espécie, visto que não sabia voar.
No calmo ritmo peculiar da natureza, viviam suas vidas e atarefavam-se de seus afazeres de pássaro. Como relógio, me ditavam um ritmo porém diferente do habitual. O ritmo da vida e dos pequenos seres era mais sutil e simples.
Mas não o pequeno sabiá. O pequeno e dócil sabiá-laranjeira que vivia em meu quintal. Sua plumagem era vermelho-ferrugem em seu ventre, levemente alaranjado, e o restante de seu corpo de cor parda, com o bico de um amarelo muito escuro. Ele teria tudo para passar despercebido diante meus olhos curiosos, mas havia algo de diferente nele. Algo surpreendente, algo iluminado que me chamava muita atenção. Talvez fossem seus hábitos nada ordinários, ou o seu cantar que em muito se assemelhava ao cantar de todos os outros sabiás, porém o modo qual ele cantava era único. Cantava mais forte e mais alto do que os de mesma espécie, parecia fazê-lo não só por estar marcado em seu instinto de pássaro, parecia fazê-lo com mais amor, ou pelo menos com mais astúcia.
Na precisa hora da revoada, ele não se recolhia. Zanzava fagueiro por todo o quintal. No primeiro sobrevôo, pousava na goiabeira porém frutos não encontrava. Tornava a voar sobre o jardim e aterrissava à minha amada amoreira, depois ia à marianinha, e à nespereira e em nenhuma delas achava o que buscava. As árvores também tinham o seu ritmo e necessitavam da noite de descanso, tal qual o pequeno sabiá, para que na manhã seguinte provessem novos frutos. Mas ele parecia não entender. Alçava vôo uma vez mais e rondava por todas as árvores frutíferas. Por vezes encontrava uma fruta ou outra, as vezes tinha de procurar as que caíam ao solo. Se alimentava da maneira que podia e toda noite era assim. Eu o acompanhava com os olhos e quando o perdia de vista, ainda podia ao longe ouvir o seu cantar.
Mas hoje seria diferente. Percebi quando ele repentinamente pousou no parapeito da minha janela. Tamanha minha surpresa, dei um pequeno sobressalto. Ficamos nos entre-olhando e não quis arriscar mais nenhum movimento brusco com medo de que se afastasse. Mas muito pelo contrário. Já foi falando sem qualquer medo de me afugentar "Você é triste." -disse o sabiá me encarando os olhos. "Ora, que sabiá assanhado!", pensei comigo mesma. Seguiu-se uma longa pausa, para depois completar -"Vive aí espreitando, querendo viver a vida dos pássaros."
Não tive reação. Talvez o pequenino estivesse certo, talvez eu realmente os observava mais que o normal e invejava suas simples vidas. Queria retrucar, mas não o faria sem antes pensar um pouco. "Sim" -disse eu à ele ainda envolta em meus pensamentos sem qualquer conclusão formada.
Devo a primeira vista parecer triste, porém, acredito que apenas sou só. Apesar da minha solidão, vivo a minha vida, cumpro meus deveres e respeito meus horários. Ser só e quase com ser triste, mas não seria precisamente. É um pouco diferente.
"E ademais, nunca fora à amoreira brigar por seus frutos"-Insisti.
O pássaro sorriu de canto de boca, tomou fôlego e pôs se a cantar. Era como se o canto lhe dava tempo para pensar.
Continuei então a falar, preferindo fingir não ter notado a falta de educação do pássaro ao cantar assim, por cima do que dizia -"portanto não vivo a vida dos pássaros. Por mais que quisesse, tenho mesmo é de seguir os afazeres e as responsabilidades da minha vida humana."
Fazia ares de tudo saber e insistiu em me dizer o que era e o que não era verdade. E dizia com tanta propriedade, que por segundos acreditei que sabia do que falava. Mal sabia ele que tal verdade era a sua, vista através de seus pequeninos olhos negros.
Insisti mais uma vez em meus argumentos e ele ao menos não tornou à cantar. Pelo contrário. Calou-se, me fitou e disse-me conciso que tinha razão no que afirmava. Mesmo se eu quisesse, não poderia viver a vida de pássaro.
Sorri e passei-lhe a mão pelo pequeno dorso. Ele consentiu amistoso, parecia gostar do afago. Sua receptividade me impulsionou à indagá-lo:
- E tu, pequeno sabiá?! Por que queres viver como gente? Não sabes que a beleza do pássaro é ser pássaro. Sabeis voar e ser livre. E encontrará sempre frutos doces se os procurar com seus irmãos. Terá sempre abrigo junto aos teus quando cair a noite e nunca voará só na escuridão como o fazes. E seu canto nunca será como os demais, afinal teu canto é único, e sempre que ouvi-lo, saberei ser o teu.
Tornou a cantar como se pensasse, mas desta vez alçou vôo e rapidamente desapareceu no breu da noite.
O final da tarde anunciava o que todos os pássaros tinham em seus instintos mais primitivos. Que deveriam recolher-se ao ninho ou à árvore a qual estava designada para que dormissem.
Todos cantavam em revoada, e em alvoroço se empoleiravam em goiabeiras, amoreiras, mangueiras e outras diversas árvores mais. Cada um em sua árvore preferida, com seu bando ou família, abrigavam-se e se preparavam para a gélida noite que estava por vir.
Da minha janela, sempre acompanhava o ir e vir dos pássaros e seus repetitivos hábitos. O canto deles me anunciava a chegada da manhã nas noites que passava em claro, por outras vezes me diziam o findar da tarde e o inicio da noite, seus alegres namoricos eram como calendário ao me afirmar o tão esperado início da estação dos amores, a primavera.
A árdua luta travada nos galhos da amoreira era indício claro de quem mandava por ali no nascer de seus primeiros frutos primaveris. Se caso as quisesse, eu teria de lutar pelas amoras que plantei como eles brigavam entre si. E ao contrário do que possa se pensar, não havia vantagem alguma em ser da minha espécie, visto que não sabia voar.
No calmo ritmo peculiar da natureza, viviam suas vidas e atarefavam-se de seus afazeres de pássaro. Como relógio, me ditavam um ritmo porém diferente do habitual. O ritmo da vida e dos pequenos seres era mais sutil e simples.
Mas não o pequeno sabiá. O pequeno e dócil sabiá-laranjeira que vivia em meu quintal. Sua plumagem era vermelho-ferrugem em seu ventre, levemente alaranjado, e o restante de seu corpo de cor parda, com o bico de um amarelo muito escuro. Ele teria tudo para passar despercebido diante meus olhos curiosos, mas havia algo de diferente nele. Algo surpreendente, algo iluminado que me chamava muita atenção. Talvez fossem seus hábitos nada ordinários, ou o seu cantar que em muito se assemelhava ao cantar de todos os outros sabiás, porém o modo qual ele cantava era único. Cantava mais forte e mais alto do que os de mesma espécie, parecia fazê-lo não só por estar marcado em seu instinto de pássaro, parecia fazê-lo com mais amor, ou pelo menos com mais astúcia.
Na precisa hora da revoada, ele não se recolhia. Zanzava fagueiro por todo o quintal. No primeiro sobrevôo, pousava na goiabeira porém frutos não encontrava. Tornava a voar sobre o jardim e aterrissava à minha amada amoreira, depois ia à marianinha, e à nespereira e em nenhuma delas achava o que buscava. As árvores também tinham o seu ritmo e necessitavam da noite de descanso, tal qual o pequeno sabiá, para que na manhã seguinte provessem novos frutos. Mas ele parecia não entender. Alçava vôo uma vez mais e rondava por todas as árvores frutíferas. Por vezes encontrava uma fruta ou outra, as vezes tinha de procurar as que caíam ao solo. Se alimentava da maneira que podia e toda noite era assim. Eu o acompanhava com os olhos e quando o perdia de vista, ainda podia ao longe ouvir o seu cantar.
Mas hoje seria diferente. Percebi quando ele repentinamente pousou no parapeito da minha janela. Tamanha minha surpresa, dei um pequeno sobressalto. Ficamos nos entre-olhando e não quis arriscar mais nenhum movimento brusco com medo de que se afastasse. Mas muito pelo contrário. Já foi falando sem qualquer medo de me afugentar "Você é triste." -disse o sabiá me encarando os olhos. "Ora, que sabiá assanhado!", pensei comigo mesma. Seguiu-se uma longa pausa, para depois completar -"Vive aí espreitando, querendo viver a vida dos pássaros."
Não tive reação. Talvez o pequenino estivesse certo, talvez eu realmente os observava mais que o normal e invejava suas simples vidas. Queria retrucar, mas não o faria sem antes pensar um pouco. "Sim" -disse eu à ele ainda envolta em meus pensamentos sem qualquer conclusão formada.
Devo a primeira vista parecer triste, porém, acredito que apenas sou só. Apesar da minha solidão, vivo a minha vida, cumpro meus deveres e respeito meus horários. Ser só e quase com ser triste, mas não seria precisamente. É um pouco diferente.
"E ademais, nunca fora à amoreira brigar por seus frutos"-Insisti.
O pássaro sorriu de canto de boca, tomou fôlego e pôs se a cantar. Era como se o canto lhe dava tempo para pensar.
Continuei então a falar, preferindo fingir não ter notado a falta de educação do pássaro ao cantar assim, por cima do que dizia -"portanto não vivo a vida dos pássaros. Por mais que quisesse, tenho mesmo é de seguir os afazeres e as responsabilidades da minha vida humana."
Fazia ares de tudo saber e insistiu em me dizer o que era e o que não era verdade. E dizia com tanta propriedade, que por segundos acreditei que sabia do que falava. Mal sabia ele que tal verdade era a sua, vista através de seus pequeninos olhos negros.
Insisti mais uma vez em meus argumentos e ele ao menos não tornou à cantar. Pelo contrário. Calou-se, me fitou e disse-me conciso que tinha razão no que afirmava. Mesmo se eu quisesse, não poderia viver a vida de pássaro.
Sorri e passei-lhe a mão pelo pequeno dorso. Ele consentiu amistoso, parecia gostar do afago. Sua receptividade me impulsionou à indagá-lo:
- E tu, pequeno sabiá?! Por que queres viver como gente? Não sabes que a beleza do pássaro é ser pássaro. Sabeis voar e ser livre. E encontrará sempre frutos doces se os procurar com seus irmãos. Terá sempre abrigo junto aos teus quando cair a noite e nunca voará só na escuridão como o fazes. E seu canto nunca será como os demais, afinal teu canto é único, e sempre que ouvi-lo, saberei ser o teu.
Tornou a cantar como se pensasse, mas desta vez alçou vôo e rapidamente desapareceu no breu da noite.
Turdus-rufiventris ou Pequeno Sabiá Laranjeira
domingo, 4 de julho de 2010
O Conto do Profundo Abismo
De um lado, erguia-se ela. Ria com certo pesar e tinha em seu sorriso a certeza de que havia algo de errado. Na beira oposta do precipício, lá estava ele. Impávido, aparentemente forte como rochedo, imponente ao olhar como não era nas profundezas do seu eu. Não se cedia ao direito de rir, apenas contemplava a outra margem e na sua ingênua euforia, pensava somente em ter de atravessar a qualquer custo.
E entre eles, o profundo abismo. Emoldurando a fenda, o rochoso e árido saibro. Erguia-se em um vermelho vibrante como a argila e à medida que adentrava a terra, o vermelho tornava se mais e mais escuro, passando pelo terracota, depois por todas incalculáveis nuances de vinho até que este cedia seu carmim aos tons de roxo, antes de findar ao negro que tingia o buraco daí para baixo.
E nunca fora tão grandiosamente intransponível. Parecia que à medida que o tempo passava, este se aprofundava e alargava, e agora já era amedrontador. Uma fenda de proporções gigantescas, que imagino nem o mais bravos dos homens assumiria a tarefa de chegar à outra margem.
E não seria ela a tentar. Certamente não. Ela dizia em tom áspero, "Não querido. Não tente ultrapassar". Em sua voz se podia sentir o desconforto e a tristeza em ter que dizer tais palavras.
E em sua afobação, ele não arquitetava plano algum. Nenhuma mirabolante idéia lhe passava pela cabeça. Não pensava em atirar-se ao fundo precipício ou em lançar à outra margem um arpão, atado à uma corda e então atrelado à esta, dependurar-se e arrastar-se devagar até onde ela estava. Não. Só tinha em mente o problema e não vislumbrava solução alguma. Sentou-se desesperançoso em cima de seu problema, e com uma das mão apoiava a testa franzida enquanto que com a outra, trêmula, nervosamente dava pequenas batidas na coxa. Já não sabia mais como agir. Por vezes fazia menção ao choro que em nada ajudaria, e então concentrava-se como se fizesse força para conter as lágrimas e soltava um longo e profundo suspiro.
À margem oposta, debruçava-se ela com cautela. Temia cair mais do que a qualquer coisa e por isso não se arriscava. Por vezes se esgueirava bem próximo à beira, mas ao sentir o imenso temor da queda, recuava dois ou três passos até uma distância que julgava segura. Se salva-guardava por crer que sua vida era demasiado complicada e que não lhe permitia despencar. Sabia não ter tempo para a demorada convalescença que se seguiria e isso muito a atrapalharia.
Pessimista, ela rogava para que ele desistisse de uma vez. E mesmo com a pouca experiência que possuía, sabia que somente as preces não eram suficientes, e nem eram ato digno. De nada adiantaria orar. Vida à fora, tinha aprendido a falar o que lhe perturbava e há muito já tinha decidido não se calar ante o que não a fazia bem. Não unicamente em virtude do seu próprio bem estar, como também para ser justa e clara com as outras pessoas, quais mereciam tanto respeito quanto ela própria.
E por conta disso havia decidido gritar bem alto para que da outra margem, há muitos milhares de metros de onde ela se encontrava, ele pudesse lhe escutar claramente. "Não, querido, não tente cruzar o abismo pois assim só vai se machucar!"- Dizia, ou melhor, berrava ela na pontinha da beirada do precipício. Arriscou o máximo que pode, pé ante pé vagarosamente, até que ouviu o ruir das pedrinhas desabando debaixo de seus pés o que a fez recuar com muito cuidado a fim de que o barranco não terminasse por ceder de vez.
E ele a ouviu. Alta e claramente. Não pode nem alegar não ter ouvido, pois sua feição indignada revelava que não só ouvira como concordava com ela. Era realmente muito perigoso. Ultrapassar seria dificílimo e há muito que temia ter de ser testado em qualquer situação que fosse. Tinha medo da prova tanto quanto da falha.
E ao ouvi-la, seu semblante não transformou-se tanto, bem como suas atitudes que permaneceram as mesmas. Jazia sentado, imóvel, ora a fitá-la, ora a buscar na imensa fenda o fim que não era possível avistar. Pensava consigo mesmo "Será que este buraco não tem fim? Será que existem buracos sem fim, que atravessam planeta a dentro e só terminam no outro lado do mundo?" E quanto mais se questionava, mais o pensar tolhia-lhe as forças, que por agora resumiam-se a quase nada, enfim a desesperança havia lhe preenchido o coração por completo.
Continuava sentado, e agora seus olhos vagavam mas nada viam. Nada chamava sua atenção, nem o notável alargar e aprofundar da fenda que provocava o afastar das margens, nem ela a espreitá-lo do lado aposto ansiando por um sinal qualquer de que estava tudo bem. Sabia esperar em vão.
Com as mãos juntas, ela apertava forte os dedos uns entre os outros. Erguia-se na ponta dos pés, sempre respeitando a distância de alguns passos do princípio do abismo, a fim de poder vê-lo mais claramente agora que a distância aumentara. Ou apenas para chamar-lhe a atenção.
Ainda gritou uma vez mais, desta vez com impaciência visto que das outras vezes não obtivera resposta à sua não-pergunta. "Está tudo bem, meu lindo?" Suas palavras se perdiam na imensidão e por saber que não haveria resposta, não tornou a repetir.
E ele, enfim retirou as mãos que há um tempo mantinha no rosto, juntou toda a força que lhe restava e decididamente pôs-se de pé. Vagarosamente virou as costas para ela e o enorme vão que os separava e foi caminhando, seguindo na direção segura, a oposta. Foi embora, apertando o passo à medida que se afastava sem sequer olhar pra trás, sem qualquer pesar no coração.
E entre eles, o profundo abismo. Emoldurando a fenda, o rochoso e árido saibro. Erguia-se em um vermelho vibrante como a argila e à medida que adentrava a terra, o vermelho tornava se mais e mais escuro, passando pelo terracota, depois por todas incalculáveis nuances de vinho até que este cedia seu carmim aos tons de roxo, antes de findar ao negro que tingia o buraco daí para baixo.
E nunca fora tão grandiosamente intransponível. Parecia que à medida que o tempo passava, este se aprofundava e alargava, e agora já era amedrontador. Uma fenda de proporções gigantescas, que imagino nem o mais bravos dos homens assumiria a tarefa de chegar à outra margem.
E não seria ela a tentar. Certamente não. Ela dizia em tom áspero, "Não querido. Não tente ultrapassar". Em sua voz se podia sentir o desconforto e a tristeza em ter que dizer tais palavras.
E em sua afobação, ele não arquitetava plano algum. Nenhuma mirabolante idéia lhe passava pela cabeça. Não pensava em atirar-se ao fundo precipício ou em lançar à outra margem um arpão, atado à uma corda e então atrelado à esta, dependurar-se e arrastar-se devagar até onde ela estava. Não. Só tinha em mente o problema e não vislumbrava solução alguma. Sentou-se desesperançoso em cima de seu problema, e com uma das mão apoiava a testa franzida enquanto que com a outra, trêmula, nervosamente dava pequenas batidas na coxa. Já não sabia mais como agir. Por vezes fazia menção ao choro que em nada ajudaria, e então concentrava-se como se fizesse força para conter as lágrimas e soltava um longo e profundo suspiro.
À margem oposta, debruçava-se ela com cautela. Temia cair mais do que a qualquer coisa e por isso não se arriscava. Por vezes se esgueirava bem próximo à beira, mas ao sentir o imenso temor da queda, recuava dois ou três passos até uma distância que julgava segura. Se salva-guardava por crer que sua vida era demasiado complicada e que não lhe permitia despencar. Sabia não ter tempo para a demorada convalescença que se seguiria e isso muito a atrapalharia.
Pessimista, ela rogava para que ele desistisse de uma vez. E mesmo com a pouca experiência que possuía, sabia que somente as preces não eram suficientes, e nem eram ato digno. De nada adiantaria orar. Vida à fora, tinha aprendido a falar o que lhe perturbava e há muito já tinha decidido não se calar ante o que não a fazia bem. Não unicamente em virtude do seu próprio bem estar, como também para ser justa e clara com as outras pessoas, quais mereciam tanto respeito quanto ela própria.
E por conta disso havia decidido gritar bem alto para que da outra margem, há muitos milhares de metros de onde ela se encontrava, ele pudesse lhe escutar claramente. "Não, querido, não tente cruzar o abismo pois assim só vai se machucar!"- Dizia, ou melhor, berrava ela na pontinha da beirada do precipício. Arriscou o máximo que pode, pé ante pé vagarosamente, até que ouviu o ruir das pedrinhas desabando debaixo de seus pés o que a fez recuar com muito cuidado a fim de que o barranco não terminasse por ceder de vez.
E ele a ouviu. Alta e claramente. Não pode nem alegar não ter ouvido, pois sua feição indignada revelava que não só ouvira como concordava com ela. Era realmente muito perigoso. Ultrapassar seria dificílimo e há muito que temia ter de ser testado em qualquer situação que fosse. Tinha medo da prova tanto quanto da falha.
E ao ouvi-la, seu semblante não transformou-se tanto, bem como suas atitudes que permaneceram as mesmas. Jazia sentado, imóvel, ora a fitá-la, ora a buscar na imensa fenda o fim que não era possível avistar. Pensava consigo mesmo "Será que este buraco não tem fim? Será que existem buracos sem fim, que atravessam planeta a dentro e só terminam no outro lado do mundo?" E quanto mais se questionava, mais o pensar tolhia-lhe as forças, que por agora resumiam-se a quase nada, enfim a desesperança havia lhe preenchido o coração por completo.
Continuava sentado, e agora seus olhos vagavam mas nada viam. Nada chamava sua atenção, nem o notável alargar e aprofundar da fenda que provocava o afastar das margens, nem ela a espreitá-lo do lado aposto ansiando por um sinal qualquer de que estava tudo bem. Sabia esperar em vão.
Com as mãos juntas, ela apertava forte os dedos uns entre os outros. Erguia-se na ponta dos pés, sempre respeitando a distância de alguns passos do princípio do abismo, a fim de poder vê-lo mais claramente agora que a distância aumentara. Ou apenas para chamar-lhe a atenção.
Ainda gritou uma vez mais, desta vez com impaciência visto que das outras vezes não obtivera resposta à sua não-pergunta. "Está tudo bem, meu lindo?" Suas palavras se perdiam na imensidão e por saber que não haveria resposta, não tornou a repetir.
E ele, enfim retirou as mãos que há um tempo mantinha no rosto, juntou toda a força que lhe restava e decididamente pôs-se de pé. Vagarosamente virou as costas para ela e o enorme vão que os separava e foi caminhando, seguindo na direção segura, a oposta. Foi embora, apertando o passo à medida que se afastava sem sequer olhar pra trás, sem qualquer pesar no coração.
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